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sexta-feira, 9 de julho de 2010

Capítulo 5 - Dupla Perda?

O seu corpo estava estirado sobre o tapete da sala. Ela vestia um vestido vermelho, todo florido, o seu vestido, o vestido que marcou minha infância e agora, marcara e completara a minha dor, o meu ferimento.
Sua face era de total de desalento, os olhos já não mais brilhavam, os seus lábios estavam retorcidos, talvez, numa tentativa de bradar por socorro ou por um último adeus.
Não conseguia reagir. Caminhei até meu pai a esmo, e o abracei demoradamente.
-
Chovia. Usávamos preto. A atmosfera fúnebre condescendia com o meu estado emocional e com o da maioria que ali estavam presentes.
Eu observava as árvores ao meu redor, os túmulos e as pessoas que ali estavam. Procurava inconscientemente por um escape daquilo, por um beliscão que me acordasse daquele pesadelo.
Minha mãe morrera de uma virose terrivelmente maligna, foram esses os termos que eu usei para omitir o estopim do meu sofrimento da maioria daqueles que dirigiram os seus pêsames a mim, inclusive do Martin.
Então, ele apareceu na minha frente e me abraçou, me reconfortou. E por um breve instante de paz, eu pensara estar realmente sonhando. Mas sua voz interrompeu os meus desejos:
-Lucy... A sua dor vai passar – Ele dizia as palavras com muita segurança. Já havia sentido isso antes, perdera seu pai quando tinha 11 anos. Passaria sim, a dor de perder mamãe, mas e a minha dor? E a dor que eu carregaria comigo pelo resto da minha vida? E a certeza, de uma morte próxima, da minha morte? É. A dor passaria, passaria pra ele, se ele continuasse ao meu lado, é claro.
Tremia.
Eu rogaria pela presença constante do Martin ao meu lado a todo o momento de que eu necessitasse. E faria, por ele, qualquer coisa que me fosse capaz para manter a distância entre nós, o mais curta possível. Pensei em ter revelado tudo, mas, achei melhor expressar o que eu sentia por ele, como se isso mudasse alguma coisa.
-Eu te amo cara – Sussurrei essas três palavrinhas um tanto quanto repugnantes para a antiga Lucy, e muito adequadas para a nova, com uma firmeza e maturidade que até então, eu não conhecia e o abracei mais forte ainda.
Ele segurou minha mão, me olhou nos olhos e me beijou. Foi um misto de sensação de despedida e de bala de menta por minha parte e na dele, presumo que foi um misto de água salgada com surpresa.


Joguei uma flor branca para a minha mãe. E junto com a pequena tulipa, lancei ao ar também, um Adeus sincero com as minhas lágrimas, os meus berros de desespero, os meus gestos involuntariamente irados e um “eu te amo” eterno.

O John permitiu que eu ficasse com o meu até então, namorado, no meu quarto. Se isso fosse há uns dois meses antrás, e eu definitivamente, para o nosso bem, não estivesse doente, eu diria que sim, havia segundas intenções em eu ter levado ele até lá.
Seus olhos encontraram o meu e ele parecia constrangido e assim eu esperava, por não ter o que falar e não por imaginar que eu quisesse sexo com ele, seria um ato imperdoável, nas minhas condições, em vários sentidos. Respirei fundo e soltei a verdade entalada em minha garganta:
-Martin – Falava calmamente, ele levantou a cabeça e me olhou.
-Sim – Ele não conseguia disfarçar a ansiedade
-Minha-mãe-não-morreu-por-virose-alguma, ela tinha AIDS. – Emendei as palavras, elas saíram todas emboladas uma nas outras. Foi melhor assim.
Sua expressão facial ficou tensa. Ele era muito perspicaz. E isso era terrível, eu estava chorando, pois ele parecia já ter conhecimento. Tinha ensaiado tudo meticulosamente. Mas falhei e não conseguiria mais abrir a boca pra concluir o que ele, aparentemente, desvendou sozinho. Vi ele empertigar-se rigorosamente.
Esse seria o momento perfeito pra ele dar no pé, sair pela minha porta e desaparecer da minha vida. NÃO! Dupla perda num dia só é demais. Até para alguém que já está com tudo perdido.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Capítulo 4 - 1º de Abril ( é, eu ñ sou boa com títulos)

Era dia 1 de Abril, dia da mentira.

Tinha uma ponta de esperança que tudo o que agora eu sabia, não passasse de uma brincadeira fazendo jus ao dia. Mas não era assim, nem tudo é como a gente quer.
Olhei o despertador que se agitava sem parar e num movimento brusco o desliguei. Já haviam se passado dois meses desde a minha vinda pra Toronto. Minha mãe assim como prometera, foi ao médico um dia depois de eu ter conversado com ela e adormecido ao seu lado. Mas não para saber o que tinha, ela foi para se tratar, infelizmente.

Ela já sabia do diagnóstico. Sabia que o que carregava consigo afetaria não só a ela mais a mim também, literalmente. Sabia o motivo dos seus lindos traços estarem ausentados, exauridos ao máximo.

Meu pai também tinha conhecimento da doença, o que me surpreendeu foi o seu comportamento, ele conseguia “disfarçar” e rir comigo enquanto minha mãe sofria. Descobriria isso também. Não é uma atitude muito adequada para um pai e um marido que se preste, Cá entre nós.

Nesse meio tempo que não narrei aqui, eu e o Martin, o cara dos olhos de mel, tínhamos começado um namoro diferente daquele que eu tinha com o Rick, ele me dizia amor e eu me tornei exageradamente piegas. Tínhamos uma conexão irresistível. Eu não contaria da minha doença tão cedo. Não queria perdê-lo, não agora. Sem ele, eu realmente não conseguiria mais viver. Era egoísta, muito egoísta, mas, ele só teria que ficar comigo por alguns anos, logo, eu morreria.

Eu ainda me recordo e me afeto com aquele diálogo amargo e cheio de água salgada, que foi mais ou menos assim:

-Filha, me desculpe por ser tão inescrupulosa, por não ter te contado. É que você sabe, eu tive receio de que você não soubesse lidar com isso, é... – Ela gaguejava – eu tenho AIDS, Lucy, e você – Estava chorando muito. Seu queixo agora tremia ridiculamente. – como sabe, deve saber, você também tem... Eu já tinha, quando engravidei de você e eu Lucy, eu a passei pra você!

Eu lembro que assim que ouvi as palavras saírem de sua boca, lágrimas de desespero caíam dos meus olhos sem que eu sequer tomasse conhecimento delas. Tremia. Sentia dos pés a cabeça um baque terrível. Não odiava minha mãe por não ter contado, e sim, a mim. Era tão egoísta que pensava só em mim. Minha morte está próxima, pensava comigo. Eu estava amurada com a MINHA morte e não com a da minha mãe que era muito mais lacônica do que a minha. Depois, a ficha caiu, minha mãe morreria daqui a alguns dias.

Ela me abraçou forte. Envolveu-me em seus braços, tentando me acalmar.

A única mulher capaz de me fazer sorrir sem fazer graça, estava prestes a partir. Ela tinha uma doença terrível e me criou com todo o cuidado que eu não merecia. Sentia-me uma merda por não ter ajudado, por não ter abraçado ela antes.
Quantas vezes eu brigava com ela, quantas vezes eu a retorquia sem nenhuma piedade.

-Mãe... Quem te passou a doença? - Eu tinha tanta coisa pra perguntar, e o máximo que consegui foi essa questãozinha impertinente. Eu tinha que saber se foi papai, se papai também tinha. NÃO! Que tipo de vida é essa, onde todos estão condenados. Eu já não tinha mais domínio sobre mim.

-Não se preocupe querida, seu pai tem uma ótima saúde. – Ela agora estava corando.

-Mas mãe, como? - Agora eu percebia, eu sempre sou a última a saber das coisas. Eu não era filha de meu pai. Meu ceticismo estava me enojando. – Quem é meu pai¿ - Minha voz era muito dura – Desculpe Mary – eu nunca a chamava pelo seu nome de batismo. Toda essa história me havia tirado todos os costumes, todo o meu comportamento humano normal.

-Seu pai é o John querida. Você sabe, quer dizer, seu pai verdadeiro é um idiota. Não precisa saber.
Não precisava mesmo. Só precisava de carinho, de tempo. Um homem que só te colocou no mundo com uma doença inexoravelmente má não vai gostar de saber que tem uma filha. E muito menos eu, gostaria que ele soubesse da minha existência.



-LUCY! – Ouvia a voz de meu Pai vindo da cozinha. O tom que ela possuía era totalmente desconhecido por mim, havia um rancor nela, uma raiva e acima de qualquer outro aspecto, uma tristeza alarmante. No fundo, eu sabia do que se tratava, eu sabia o que ocorrera. Só não esperava que fosse hoje, nem nunca. A gente nunca espera por algo ruim.
O cenho abatido de meu pai era a faca que terminava de expor o meu ferimento, recém feito, e que estava somente esperando pela notícia para esfacelar-se de uma vez e sangrar, sangrar, sangrar... Arruinando minha vida.

-

Não que eu quisesse, não que fui forçada. Toda essa consternação que eu passo, aconteceu. E isso, dilacerou, rompeu todas as minhas esperanças, meus sonhos como uma planta se sentiria se ela não mais recebesse água para ter vida.
Eu estava no fundo do poço e percebia que ninguém que dizia me amar, era altruísta suficiente para me tirar de lá. Ninguém era capaz.
[...] e fui sugada para essa dor sem cura, esse ferimento aberto que sangra, que escorre...

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Capítulo 3 - Como um cego que foi curado.

Nunca fui romântica. Exageros em pieguice me enojavam. Sempre suplicava ao Rick que me desse amor e não me dissesse amor, se é que consegue compreender. Gostava da parte física, do contato, as palavras e todo o jogo de sedução que alguns casais usam exasperadamente ficavam em segundo plano. E rejeitava fielmente a qualquer suposição de amor à primeira vista.


Permaneci absorta durante as três primeiras aulas pensando em como sentia falta de braços em minha volta. De calor humano, de companhia. E aquele garoto seria a solução para minha abstinência, era decidido, bonito, atrevido. Ocuparia a vaga deixada pelo Rick. E eu o queria, muito, exageradamente e talvez, não como eu queria os outros. Era diferente, mais urgente.

Eu cedi a algumas tentativas de socialização de algumas meninas. Conversando sobre meu passado, de onde eu vinha, essas baboseiras todas. Passei o intervalo tentando, sem sucesso, me interagir com Emily, uma garota loira, de cabelos longos, que usava óculos e era a experiência viva para contrariar que as loiras são burras, pelo contrário, regozijava aos professores com sua capacidade mental. Esforcei-me, tentando ser o menos obtusa possível.

Não o vi mais naquele dia. Pediria desculpas, e o seduziria na próxima vez. Usaria todos os meus artifícios femininos atraentes, e não ficaria irresoluta como antes.

A aula terminou no horário normal, na hora do almoço. Segui para casa sozinha, sem ninguém afetando meus calmos instintos.

Comia. Quando não havia nada em minha boca, me impedindo de falar e fosse educado, eu conversava e ria com meu pai.
-John, respire um pouco – eu disse de bom humor. – Vai engordar hein! Não temos mais dinheiro para gastar com suas banhas.
-Sim senhora, nada de gastar dinheiro com banhas. E, plásticas, será que eu posso? - E soltou uma gargalhada contagiante. Se retirando da mesa após isso. Eu imaginava que minha mãe tiraria a máscara séria e riria com a gente. Estava enganada. Ela permaneceu em silêncio, parecendo lidar contra prantos que eu era incapaz de saber quais eram.

Acho que ela foi perspicaz o bastante para perceber que eu a observava. Subiu para o seu quarto. Sua testa enrugada e a ausência de sua voz, de seu sorriso coagiram para que eu não a chamasse e esclarecesse minhas dúvidas.


Seja lá o que estivesse magoando minha mãe, eu iria descobrir. Ver seu sofrimento me fazia sofrer também. Não era compreensível que o remorso pelo emprego perdido fosse tão decepcionante, eu a conhecia bem para perceber a guinada que ocorrera em seu comportamento, era visível, quase tangível.

Lavei os pratos e arrumei a cozinha. Pensei que devia agradar minha mãe, faria o que for possível a mim para estampar um sorriso em sua face novamente. E nem era nenhum sacrifício, odiava mesmo, era fazer comida.

Resolvi subir e persuadir mamãe a contar o que havia de errado, assim que me recordei de que ela sempre arrumava a cozinha, e, quando não fazia isso, algo ruim era iminente.


Ela estava deitada em sua cama, de costas para mim. Sentei ao seu lado e passei as mãos em seu cabelo.
Como se alguém tivesse me dado um beliscão e eu acordado de um sonho, ou limpado um pára-brisa de um carro, ou ainda, um cego que foi curado; eu percebi o quanto ela estava apática, mais velha, eu não enxergava mais o seu olhar quente, vivo. Aquilo estava me consternando, procurei as palavras certas e enfim, consegui falar:
-Mãe, o que está havendo? - Tente repelir a preocupação em minha voz, mas foi em vão. Ela me olhou nos olhos – que estavam prestes a chorar. E respondeu com a voz rouca e fraca:
-Lucy, eu acho que estou doente.
Estremeci.
-O que mãe, o que, o que a senhora tem¿ - Eu quase gritava.
-Acalme-se filha, vai passar. –Ela tentava manter-se firme e tentava me ludibriar. Queria dizer, “mãe, eu já cresci, não precisa mais mentir pra mim, não sou criança, eu vejo que tem algo de errado”. Mas por fim, fiquei em silêncio.
-Vou ao médico amanhã, não se preocupe. – Como não? meus pensamentos quase explodiam.
-Sem falta - Agora, era minha voz que falhava.
-Sem. – E fechou os olhos. Eu fiz o mesmo.
Tentei me manter consciente. Mantive meus braços envolvendo minha mãe, como se ela fosse fugir a qualquer instante e sumir, desaparecer. O silêncio era terrivelmente cruel e eu adormeci ao seu lado. Num sono profundo e sem sonhos. Estava realmente confortável, não acordaria tão cedo.